TPO - Um Fim Anunciado

29 Abril 2015

Uma das questões mais recentes e controversas no âmbito do Direito Desportivo diz respeito à proibição das operações de financiamento através de “Third Party Ownership” (TPO), em português entendida como a “propriedade de direitos económicos por terceiros”, e a consequente modificação do Regulamento sobre o Estatuto e Transferência de Jogadores da FIFA (RETJ), na sequência da aprovação da Circular n.º 1464.

De facto, no passado dia 22 de Dezembro de 2014, o Comité Executivo da FIFA aprovou, através da referida Circular, a introdução de algumas normas que vieram alterar o RETJ, no sentido de proibir a possibilidade de detenção, por terceiros, da totalidade ou de parte dos direitos económicos dos jogadores, bem como negar qualquer forma de exercício de influência desses terceiros sobre os clubes ou sociedades desportivas.

Face a essas tão profundas mudanças, importa relembrar alguns conceitos, designadamente, o que se entende por “direitos económicos” e “terceiro” (Third Party) para efeitos de aplicação do RETJ.

Para isso revela-se essencial definir o que são direitos federativos (também conhecidos por direitos desportivos), já que sem estes os direitos económicos não podem subsistir, estando, por isso, a eles vinculados.

O referido direito federativo é o direito que uma entidade desportiva tem de inscrever um jogador numa competição de carácter oficial, para que nela participe em seu nome e representação.

Estes direitos não são divisíveis e não podem ser detidos ou transaccionados por pessoas ou entidades que não sejam clubes ou sociedades desportivas, devidamente inscritos nas associações correspondentes e reconhecidos como tal pela FIFA.

É hoje consensual que os direitos federativos assumem uma vertente patrimonial, que se comprova através dos valores comummente veiculados na comunicação social, dispendidos pela transferência de um jogador de um determinado clube para outro.

Podemos, então, definir os “direitos económicos” como a prerrogativa de ser credor de uma percentagem sobre a transferência futura dos direitos federativos de um jogador.

Ao contrário dos direitos federativos, os direitos económicos podiam, até agora, ser propriedade tanto de entidades desportivas, como também de outros sujeitos jurídicos, aceitando-se que a sua titularidade pudesse ser repartida por vários proprietários.

Já “terceiro” (third party), para efeitos de aplicação do RETJ – de forma a evitar futuras controvérsias – de acordo com o ponto 14 da secção das “definições” do Regulamento em causa, é qualquer sujeito para além dos clubes (ou sociedades desportivas) envolvidos na transferência de um jogador, ou seja, aquele onde o jogador se encontrava inscrito e o clube que adquire o direito de o inscrever.
 
Esta é sem dúvida uma definição amplamente restritiva, já que considera “terceiro” qualquer entidade (seja ela desportiva ou não) alheia à transferência de um jogador, incluindo, qualquer clube onde o jogador tenha estado inscrito no passado, e que por isso detenha uma percentagem dos direitos económicos, o próprio jogador envolvido, agentes ou intermediários e, por maioria de razão, os fundos de investimento.

Nas normas introduzidas pela Circular, para além da definição do conceito de “terceiro”, tratada anteriormente, destaca-se a alteração ao já existente art. 18ºbis (influência de terceiros sobre clubes) e a inclusão do art. 18ºter (titularidade de direitos económicos de jogadores por terceiros).

Relativamente ao art. 18ºbis, a referida modificação visa, essencialmente, reforçar as medidas já existentes contra a influência de terceiros sobre os clubes/sociedades desportivas, determinando que nenhum clube poderá celebrar um acordo/contrato que permita a qualquer terceiro assumir uma posição de influência, seja em questões laborais, seja em questões de transferências, relacionadas com a independência, política ou actuação das respectivas equipas, sendo que a violação desta norma dará origem à aplicação de medidas sancionatórias aos clubes incumpridores por parte do Comité de Disciplina da FIFA.

Por outro lado, a introdução do art. 18ºter estabelece uma proibição objectiva às operações de financiamento e titularidade de direitos por terceiros, já que fica desde logo vedada a possibilidade de celebrar qualquer acordo nos termos definidos, independentemente desse acordo garantir ou não para um terceiro o exercício de uma posição de influência indesejada.

Deste modo, proíbe-se a celebração de qualquer acordo/contrato mediante o qual se conceda a um terceiro o direito a participar, parcial ou totalmente, do valor de uma futura transferência de um jogador de um clube para outro, ou que lhe sejam reservados direitos sobre uma futura venda.

Tais normas entraram em vigor no dia 1 de Janeiro de 2015, com excepção do art. 18ºter que só a partir do dia 1 de Maio de 2015 será aplicável.

Refira-se, ainda, que os contratos celebrados antes do dia 1 de Janeiro de 2015 mantêm-se em vigor até ao seu termo, não podendo ser prorrogada a sua vigência, enquanto os contratos celebrados entre 1 de Janeiro e 30 de Abril de 2015 só poderão ter a duração de um ano.

Fica, também, previsto que todos os acordos existentes à data da entrada em vigor do art. 18ºter deverão ser registados na plataforma TMS (Transfer Matching System).

Face a tais mudanças, será razoável defender que a proibição prevista no novo art. 18ºter implicará para os diversos (não todos) intervenientes da indústria do futebol um impacto económico-financeiro negativo, suscitando também alguma controvérsia no plano jurídico, apesar da discordância que sempre se gera nesta coisas do futebol (a que acrescem as diversas interpretações jurídicas possíveis).

Não será, por isso, de estranhar que alguns juristas – que acompanho – ao analisar as alterações introduzidas pela Circular, defendem a existência de uma incompatibilidade com o ordenamento jurídico comunitário, já que a nível do direito da concorrência, esta imposição da FIFA no sentido das suas associações-membro, entre as quais se incluem a UEFA e a Federação Portuguesa de Futebol, de adoptarem a nova versão do RETJ, poderá constituir um acordo restritivo da concorrência que implica uma clara limitação ao investimento e à livre circulação de capitais dentro da União Europeia.

Do ponto de vista económico-financeiro, seria possível encontrar uma série de medidas que permitiriam a manutenção dos financiamentos provenientes de TPO’s no futebol, optando-se por uma regulação desta actividade, ao invés de proibir a intervenção de terceiros, uma vez que o investimento destas entidades tem assumido, nos últimos tempos, alguma relevância, nomeadamente, em relação aos clubes com recursos financeiros limitados.

Uma alternativa possível seria, por exemplo, impedir o investimento por parte de entidades cuja proveniência do capital fosse desconhecida, ou até mesmo circunscrever a possibilidade de investimento às entidades que tenham a sua situação fiscal regularizada de acordo com o ordenamento jurídico português e comunitário, o que levaria ao afastamento das entidades “escondidas” em paraísos fiscais da indústria do futebol, tornando a circulação de capitais mais transparente neste mercado.

Aguardaremos, com expectativa, pelo desenvolvimento desta questão, que apenas poderá ser devidamente analisada após a entrada em vigor – 1 de Maio de 2015 – da norma que mais dúvidas levanta: o art. 18ºter.

Guilherme Belfo Pereira

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